Crônica: Boston, por Isaiah Thomas

Eu tinha acabado de ser expulso. Nós estávamos na estrada, enfrentando o Lakers no Staples Center – meu primeiro jogo com a camisa do Celtics – e eu peguei duas faltas técnicas, ejeção automática. Desci o túnel para o vestiário, ainda de uniforme, ainda suando, ainda nervoso com a última marcação da arbitragem, e eu vi um dos preparadores físicos sentado no vestiário, acompanhando o jogo. Ele olhou para mim e sorriu.

“Cara… a torcida do Celtics vai amar você!”

Eu estava pensando que as pessoas deviam ser loucas por pensar isso. Minha estreia na equipe e eu sou expulso? Isso não é uma grande primeira impressão.

“Do que você está falando? Eles vão me amar?”

“Sim, claro. Seu primeiro jogo, você marca 21 pontos e é expulso? Boston ama esse tipo de coisa”

Eu não sabia do que ele estava falando. Eu era novato. Eu não sabia nada sobre Boston ou sobre seus fãs.

Eu pensei que esse cara era louco.

Três dias depois – seis dias depois da troca que me enviou do Suns para o Celtics – joguei meu primeiro jogo no TD Garden. Era surreal. Quer dizer, andando pelos corredores do Garden com aquela camisa do Celtics, vendo todas as fotos de Bill Russell e Larry Bird, ficando na linha de aquecimento e olhando para todos os banners no teto – isso é apenas muita história. E a arena enche-se tão rápido antes do jogo, mais rápido do que eu tinha visto em qualquer outro lugar. Esses fãs não podem esperar para ver o seu Celtics jogar.

Foi apenas o meu terceiro jogo com a equipe, então eu estava saindo do banco. Quando eu me levantei pela primeira vez e dei um passo para o parquet, senti uma explosão de energia na arena. Quando caminhei para a quadra, toda a multidão se levantou e foi comigo. Foi a minha primeira vez na quadra do Garden, e eles ficaram de pé, me ovacionando, como se eu tivesse sido um celta por toda a minha vida.

Essa foi a minha introdução para os fãs de Boston.

Eu pensei: “cara, esses fãs me amam…”

A parte mais louca foi que, uma semana antes de pisar no Garden pela primeira vez, eu estava em Phoenix, sentado na parte de trás do ônibus da equipe do Suns, aguardando o encerramento da Trade Deadline de 2015. Estávamos prestes a ir para o aeroporto e viajar para um jogo fora de casa, mas o ônibus estava esperando a Trade Deadline passar para não levar algum jogador que teve que ficar para trás e se preparar para a sua nova equipe.

Todo mundo sabia que Goran Dragic seria negociado – o seu nome apareceu em vários rumores nas semanas anteriores. Com certeza, alguns minutos antes da Trade Deadline, um dos treinadores adjuntos apareceu no corredor e nos deu a notícia.

Goran havia sido negociado para o Heat.

Então Goran pegou suas coisas e abraçou alguns caras. Todos nós desejamos-lhe boa sorte, e ele desceu do ônibus.

O resto do elenco olhou ao redor do ônibus, um para o outro, pensando: “ok, já foi feito, essa é a equipe que ficou agora, vamos lutar com esse grupo”.

Comecei a pensar no papel expandido que teria na reta final, em busca dos playoffs. Com a saída de Goran, eu seria o segundo armador. Com mais minutos, teria mais oportunidades para mostrar que estava pronto.

Mas, cinco minutos depois da Trade Deadline, o ônibus ainda não tinha se mexido. Nós pensamos que o ônibus estava à espera do fim do prazo, portanto, nós nos assustamos. Brandan Wright, que estava sentado em um par de assentos na minha frente, olhando para o telefone, virou-se para trás e olhou para mim.

“Você acabou de ser negociado”

Negativo. O prazo passou, brother. Do que você está falando?

Ele me mostrou a notificação em seu telefone.

Isaiah Thomas negociado com o Celtics, em troca de Marcus Thornton e de uma escolha de primeira rodada do Draft 2016.

Eu não podia acreditar.

Olhei para cima e vi o treinador adjunto caminhando de volta para o corredor.

“IT… eles negociaram você”

Eu levantei o telefone de Brandan.

“Sim, isso é o que eles acabaram de dizer”

Eu acho que a negociação estava sendo feita até o fim do prazo, tanto que a notícia não saiu poucos minutos depois. Mas foi uma negociação feita.

Fiquei chocado.

Peguei minhas coisas, abracei alguns caras. Todos me desejaram sorte e eu desci do ônibus.

Tudo estava acontecendo tão rápido. Eu nem esperava ser negociado, e agora eu tinha que me encontrar com os dirigentes do Suns. Tive que arrumar meu armário e pegar minha família.

Também tive que parar em uma loja no caminho do aeroporto e pegar algumas roupas. Era fevereiro, e o clima em Boston era uma loucura – tipo, pior inverno da história de Massachusetts, essa loucura toda – e eu estava vindo do deserto. Eu nem sequer tinha um casaco de inverno. Então eu peguei uma grande jaqueta e um par de gorros antes de pular para Boston e fazer os testes físicos.

Quando eu saí do avião, estava nevando. Estava tão frio. A jaqueta e o gorro me salvaram.

Fiz o teste físico naquela noite, e enquanto o Celtics estavam em Sacramento, enfrentando o Kings, eu acompanhei o jogo com Danny Ainge em seu escritório – só eu e o GM. Falamos sobre a equipe, sobre a troca, sobre mim. E ele me disse algo que eu não podia acreditar.

“Isaiah… pela maneira que você joga, você pode se tornar uma lenda celta”

Uma lenda do Celtics? Eu pensei que ele estava louco – talvez estivesse apenas exagerando, movido pela emoção de ter feito uma grande negociação.

Naquela noite, mais tarde, conversei com Brad Stevens pelo Skype, e ele não foi exagerado sobre a troca, foi exagerado ao falar de mim. Ele queria que o resto da equipe se adaptasse a mim. Ele disse que deixaria eu jogar o meu jogo, ser o melhor Isaiah Thomas que eu poderia ser.

Eu nunca tinha ouvido nada assim de um treinador na minha carreira profissional. Esses caras não estavam sendo apenas exagerados sobre uma grande troca. Eles realmente acreditaram em mim. Eu poderia dizer que eles acreditavam em cada indivíduo, acreditavam no vestiário. É por isso que nos trouxe aqui.

Foi quando caiu a ficha: esta era a oportunidade que eu sempre quis. O que eu tinha trabalhado por toda a minha vida. E eu ia fazer tudo o que eu podia para tirar proveito dela.

A transição foi meio difícil porque era reta final de temporada, basicamente jogando todos os dias. Nós só tínhamos dois dias de descanso uma vez, então nós nunca realmente tivemos tempo para treinar, o que significava que eu não tinha tempo para aprender o sistema de Brad Stevens. Então, quando eu ia para o jogo, saindo do banco, basicamente arriscava para fora do pick-and-roll. Era quase como uma “pelada”. Estava em quadra jogando, tentando fazer jogadas e ficar confortável com meus novos companheiros de equipe.

Eu estava aprendendo muito, mas acho que aprendi mais sobre os meus companheiros – e sobre a cidade de Boston – na série dos playoffs contra o Cavaliers.

Eu sei, nós fomos varridos. Nossa temporada não terminou da maneira que queríamos, acredite, mas muita coisa boa veio daquela série. Foi uma experiência que a equipe precisava, porque em três dos quatro jogos, tivemos uma chance de ganhar nos minutos finais. Mas nós não sabemos como vencer. Não nos playoffs, pelo menos. Eles são diferentes da temporada regular. Quando as pessoas dizem que cada posse e cada jogada são cruciais, elas não estavam brincando. Parece clichê, e é, mas você não pode realmente entender o que isso significa até que você esteja na posição de fechar um jogo de playoffs – e você começa errando nos minutos finais. Você começa a pensar em todas as pequenas coisas que você poderia ter feito para mudar o resultado do jogo. Uma passada extra ali, um arremesso melhor selecionado lá. Contra uma grande equipe como o Cavs, essas pequenas coisas vão matá-lo.

Fiquei orgulhoso da mentalidade que tinha saído nessa série. Perdemos, mas ganhamos confiança. Nós viemos de fora, pensando: “OK, isso é o que eu preciso para vencer uma série de playoff. Agora sabemos”.

Eu também saí dessa série sabendo exatamente o que significa jogar em Boston.

Eu vou admitir, levou um tempo para encontrar o lado bom depois de ser varrido. Nós ainda perdemos quatro jogos consecutivos, e isso é um soco no estômago. Mas quando estávamos saindo da quadra do TD Garden, depois do jogo 4, aconteceu algo que eu nunca tinha visto antes, em qualquer lugar.

Os fãs de Boston se levantaram e começaram a cantar: “Let’s go, Celtics!”

Eles deram ao seu time, que tinha acabado de ser varrido, uma ovação de pé.

Naquele momento, eu sabia que esta cidade era como nenhuma outra. Mesmo com o fim da temporada, parecia que estavam começando alguma coisa.

E é transportada para essa temporada também. Não temos a melhor campanha, mas estamos sempre avançando, melhorando. Houve momentos nesta temporada em que mostramos que podemos competir com as melhores equipes da liga – e vencer.

Eu olho para o nosso jogo contra o Warriors, há algumas semanas. Foi como um jogo de playoffs, tanto na forma como se desenhava e na forma como nos aproximamos dele. Foi um jogo televisionado nacionalmente, por isso, todo mundo estava assistindo. Estávamos saindo de perdas em back-to-back e precisávamos urgente de uma vitória, para lutar por posições nos playoffs. Os Warriors estavam montados em uma série de 54 vitórias em casa.

Queríamos ser os primeiros visitantes a vencê-los.

E sabíamos que podíamos. Lembrem-se, nós os levamos a duas prorrogações em dezembro, quando ainda estavam invictos. Sabíamos que poderíamos vencê-los.

Então, quando nós ganhamos, um monte de pessoas ficaram surpresas. Nos sentimos validados.

Agora, nós vamos para os playoffs e sabemos que somos capazes de vencer os atuais campeões em sua casa, uma das arenas mais difíceis de se jogar na NBA.

O próximo passo é usar o que aprendemos e coloca-los em uma série de sete jogos.

Logo depois que eu fui negociado para Boston, recebi um texto de Isiah Thomas – o mais velho. Ele disse: “Esta é a melhor coisa que vai acontecer na sua carreira”

Eu realmente não sei o que ele quis dizer com isso. Então eu liguei para ele, que explicou para mim.

“Agora você vai experimentar o que é o basquete de verdade, o que são os verdadeiros fãs, o que é uma verdadeira organização. E eles vão amar você mais do em qualquer lugar que você esteve”

Honestamente, eu ainda não sabia o que ele queria dizer. Jogar em Boston é uma daquelas coisas que você não pode se preparar e não pode compreender até que você experimenta.

Agora eu entendi.

Jogar em Boston mudou minha carreira. Eu nunca fui capaz de jogar com esse tipo de liberdade, e por isso eu estou jogando com mais confiança.

E os fãs têm me recebido de braços abertos, também.

Eu sou baixinho – tenho apenas 1,75m – a menos que você seja um grande fã de basquete, você provavelmente não vai me reconhecer em torno da cidade. Eu não sou como Jared Sullinger, esquivando-se na porta de um restaurante. Eu me misturo.

Pelo menos era assim em todos os lugares que joguei. Aqui em Boston, no entanto, as pessoas me reconhecem em todo os lugares que eu vá. É diferente de tudo o que eu já experimentei, e eu amo cada minuto disso.

Meus pais volta e meia aparecem em jogos no Garden. Toda vez que eles vão, dizem: “Você sabe que existem muitas camisas 4 na multidão?”

Eu sei.

E eu aprecio o amor, Boston.

Eu aprecio o fato de que, acima de tudo, você me abraçou. Da mesma forma em que Danny Ainge e Brad Stevens me abraçaram. Por ser Isaiah Thomas.

O velho Isiah estava certo. Estar em Boston tem sido a melhor coisa que poderia ter acontecido para a minha carreira. Eu posso honestamente dizer que me sinto abençoado por fazer parte desta cidade e desta organização.

Eles dizem que se você ganhar um campeonato em Boston, você vai ser amado para sempre.

E eu quero que cada indivíduo nesta equipe experimente isso.

Isaiah Thomas, de 27 anos, é armador do Boston Celtics desde fevereiro de 2015, e escreveu este artigo para o site The Players’ Tribune durante a temporada 2015/2016 da NBA. Graças ao excelente desempenho pelo Alviverde, Thomas foi convocado para o All-Star Game de 2016, disputado em Toronto.

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Respostas de 14

  1. Sensacional. Melhor texto da página. Estou com lágrimas nos olhos. Essa sensação dele como o jogador e a mesma minha como torcedor. Antes de torcer para o Celtics não entendia essa paixão.

  2. Texto esplêndido. Me emocionei. Incrível torcer por este time. Infelizmente, só me liguei na NBA em 2010 e felizmente vi o celtics jogar. Me apaixonei por este time assim que vi a atmosfera em quadra, a garra de KG, o talento do Rondo e o poder de decisão de Pierce. Possuo alguns artigos verdes, mas ainda vou a Boston sentir a adrenalina de perto. Me sinto completamente representado em quadra. Hoje, após esses anos, esse amor pelo verde só cresce. Tenho orgulho de ser celta. Let’s GO celtics.

  3. Que texto do Isaiah.. Olha.. se não fosse como Jogador de basquete, seria como escritor rssss
    nítida sensação que temos alem de ótimo jogador, um torcedor em quadra!

  4. Isso só sustenta o que eu ja escrevi algumas vezes aqui, o anão nunca vai querer sair de Boston.O Celtics mudou a sua vida, antes ele era apenas um reserva com poucos minutos, hoje ele é a estrela do time, chegou finalmente nos playoffs, é um all-star e está escrevendo uma nova etapa da história do nosso time, uma etapa de jogadores que antes eram ignorados e que hoje, com muita raça, alcançam o que era considerado impossivel de um elenco considerado fraco.Isso tudo meus amigos, porque a camisa pesa e o Celtic Pride se renova na força de vontade desses jovens jogadores.

  5. Ja havia lido esse texto em ingles. IT é foda, se identificou demais com a franquia e torcida e vice-versa.

  6. Espetacular. Só faz o meu Amor crescer ainda mais por essa Franquia. E meu Respeito pelo Isaiah Thomas.
    Let’s Go Celtics!

  7. Galera, concordo com todos. Sou um pouco cético (além de céltico kkkkk) sobre quem editou o depoimento, apesar de real, pode ter sido editado por um editor, afinal, marketing como este não é por acaso. Nos USA então onde são mestres no marketing, não deixariam uma história como está sem acompanhamento profissional. Mas isso não retira a força e o sentimento do IT.

    Como é apaixonante ver um depoimento como este. Prova que a torcida e o ambiente em Boston são realmente diferenciados.

  8. Cara, depoimento de vida e as grandes mudanças que a vida nos proporciona simplesmente sensacional!! Thomas é obviamente o jogador que mais gosto, pela entrega e por saber o que é ser celta! Mas com este depoimento sou mais seu fã!!! Não por só por ser Celtics, mas por uma história bonita, de um cara humilde que queria apenas sua chance no basquete, e hoje é ídolo simplesmente no Celtics, e ele nem pediu por isso!! Apenas abraçou a chance e reconheceu o amor da instituição e torcida por ele, pelo ser humano que é, pelo esporte e a vida!!
    excepcional matéria!!! bem editada não perdendo a íntegra do sentimento! Muito bom ver este tipo de material no mundo tão superficial de hoje e ver um jogador tão maduro e grato ao ser humano e instituição que estes formam!!

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